A Revista Exame desta semana publica trechos exclusivos do livro "Petrobras - Uma História de Orgulho e Vergonha" da jornalista Roberta Paduan. Segundo a publicação, o então presidente Sarney protegeu seu amigo e compadre, presidente da BR Distribuidora, o general Albérico Barroso Alves, acusado de montar um esquema para saquear a estatal em conluio com instituições financeiras que aceitassem operar a fraude.
EXAME
- Em meados de 1989, o então presidente da Petrobas, Carlos Sant’Anna,
chamou um grupo de funcionários para uma reunião que começou com o
seguinte discurso: ‘Precisamos de uma estratégia para proteger a
Petrobras’. E continuou: ‘Não temos mais o general daqui para resolver
os problemas com o general de lá’. Sant’Anna referia-se à relação direta
entre os militares que comandaram o país após o golpe de 1964 e os
presidentes da estatal, muitos dos quais também foram militares. Até
aquele momento, a Petrobras tinha sido presidida por militares em 25 dos
35 anos de sua existência. E a maioria dos presidentes civis que
comandaram a petroleira até ali era altamente identificada com a cultura
militar. Sant’Anna era exceção. Formado em geografia e história,
começou a trabalhar na Petrobras como temporário e, em 1958, foi
efetivado ao passar num concurso público. Galgou cargos até chegar à
presidência em abril de 1989.
Naquele
ano, a situação do país não era de ruptura, como em 1964, mas o cenário
mostrava-se altamente desafiador. O Brasil vivia um período de
efervescência política e de grave crise econômica. O presidente José
Sarney finalizava seu mandato e, depois de 25 anos, os brasileiros se
preparavam para votar novamente para presidente da República. Na
economia, o país beirava o caos. A inflação fechou 1989 em
inacreditáveis 1.972%. Para a Petrobras, a explosão dos preços e a
desvalorização cambial eram ainda mais nocivas. O governo impedia a
estatal de reajustar o preço dos combustíveis, numa tentativa inútil de
segurar a inflação. A empresa perdia 100 milhões de dólares por mês
devido à defasagem no preço de seus produtos. Depois de ter registrado
em balanço lucros acima do bilhão de dólares (em 1986 e 1988), a
Petrobras apresentou em 1989 um resultado que se limitava a 160 milhões,
muito pouco para uma gigante com mais de 80 000 funcionários na folha
de pagamentos.
O
primeiro grande escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras veio a
público no final de 1988, por meio de uma reportagem da jornalista Suely
Caldas, do jornal O Estado de S. Paulo. A reportagem revelou que
dirigentes de três bancos privados – Bradesco, BCN e Banco Geral do
Comércio – haviam procurado Armando Guedes Coelho, então presidente da
empresa, para fazer uma denúncia. Eles diziam que um funcionário da BR
Distribuidora estava por trás de um esquema montado para saquear a
estatal em conluio com instituições financeiras que aceitassem operar a
fraude.
Ao
receber a denúncia, o presidente da Petrobras, Armando Coelho, afastou
toda a direção da BR e abriu uma investigação interna. A apuração,
realizada em dez dias, confirmou que bancos pouco expressivos,
escolhidos sem obedecer aos critérios normalmente utilizados pela
estatal, vinham recebendo depósitos milionários em razão das cobranças
feitas para a BR. A pessoa que visitava os bancos era Eid Mansur, que
não trabalhava nem lá nem na Petrobras. Entretanto, Mansur dizia ser
diretamente ligado a Geraldo Magela de Oliveira e Geraldo Nóbrega, dois
assistentes do presidente da BR, o general Albérico Barroso Alves, o
Barrosinho, como era conhecido nas Forças Armadas. O problema é que o
general Barroso era amigo e compadre do presidente José Sarney. Foi ele
que o nomeou como diretor industrial da Petrobras e presidente da
subsidiária BR (os diretores da petroleira costumavam acumular a
presidência de uma das subsidiárias do grupo).
Ao
final, a comissão interna que investigou o caso concluiu que Eid Mansur
fazia parte de uma quadrilha formada por Magela e Nóbrega, ambos
levados para a BR Distribuidora havia poucos meses por Barroso. Depois
que a história foi parar no jornal, o Legislativo criou uma Comissão
Parlamentar de Inquérito. Em depoimento à CPI, Magela, Nóbrega e o
general Barroso negaram conhecer Mansur.
Os
dois assessores de Barroso foram demitidos, mas Armando Coelho não
conseguiu afastar o general presidente da BR. Ao telefonar para Sarney e
pedir a ele que demitisse Barroso, Coelho ouviu uma resposta
desconcertante do presidente. ‘Eu não demito amigos’, teria dito Sarney
ao então presidente da Petrobras. Diante do argumento, Coelho entregou o
cargo. Alegou que não podia trabalhar com um diretor em quem não
confiava, e foi contratado por uma fábrica de catalisadores que
pertencia à Petrobras. Depois, aceitou o convite para dirigir a Suzano
Petroquímica. Barroso permaneceu ainda algum tempo na diretoria da
Petrobras e na presidência da BR, mas foi remanejado para a presidência
da Petrofértíl, subsidiária de fertilizantes do grupo, onde ficou por
poucos meses, logo deixando a empresa de vez. Mais tarde, descobriu-se
que Coelho teve total apoio de Ernesto Geisel, ex-presidente da
República e ex-presidente da Petrobras, para realizar a investigação.
Geisel, que ainda contava com alto prestígio político, convenceu os
militares a não proteger o general Barroso.
Atualmente,
Coelho não aceita falar sobre o diálogo que teve com Sarney. Mas também
não desmente a história contada por dois auxiliares que eram muito
próximos a ele na época. Ambos confirmam que ficaram estupefatos com a
justificativa do presidente da República, confidenciada pelo chefe no
calor dos acontecimentos. Ao comunicar sua saída da empresa aos
diretores e gerentes no auditório da Petrobrás, Coelho foi aplaudido de
pé por quase 5 minutos. Mais do que uma homenagem ao presidente que
deixava o cargo, as palmas dos funcionários eram um protesto contra o
ataque à empresa e a saída de um presidente que não aceitou acobertar a
corrupção.
Mais interferências
Depois
do escândalo, o fato é que em 1989 a Petrobras não tinha um plano
estratégico. E era o que Carlos Sant’Anna pretendia mudar. Por quatro
meses, a equipe incumbida de elaborar o plano discutiu cenários
econômicos e políticos, nacionais e internacionais, com 40 executivos da
companhia. Ao final, chegaram à conclusão de que, nos novos tempos de
competição global que se anunciavam, a raiz nacionalista da empresa
deveria ser substituída por eficiência e competitividade perante as
maiores e melhores petroleiras do mundo. Só assim as empresas e os
países prosperariam. Essa foi uma das principais mensagens do plano.
Coordenado
pelo engenheiro José Paulo Silveira, superintendente da área de
planejamento da estatal, o trabalho foi finalizado em 15 de dezembro de
1989. O plano foi aprovado pelo conselho da Petrobras em janeiro do ano
seguinte e divulgado por Sant’Anna aos gerentes num auditório lotado.
Quase dois meses depois, no domingo de 4 de fevereiro de 1990, o plano
foi parar no jornal O Estado de S. Paulo .. O título era ‘Petrobrás muda
para os anos 1990’. A reportagem deixou o presidente eleito, Fernando
Collor, furioso. Ele ainda não havia tomado posse, o que aconteceria em
15 de março. Em sua interpretação, o tal plano estratégico era uma forma
de resistência ao seu governo. Assim que assumiu, destituiu não só o
presidente e os diretores como também metade do grupo de gestores logo
abaixo deles. Sant’Anna aproveitou para se aposentar. E o que seria o
primeiro plano estratégico da Petrobras acabou engavetado”.
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